#10 - Sirenas, deusas e sinais
sonhos, santa sarah, as sirenas, as sereias e estar atenta aos sinais
Querido leitor,
Reler meus livros favoritos têm sido uma experiência e tanto. Não foi algo planejado — eu sempre tento fazer uma listinha de livros que quero ler quando o ano começa, o que nunca dá certo, mas eu não havia incluído nenhum deles na tal lista. Foi com certa surpresa, então, que percebi que estava relendo vários livros favoritos que li há cerca de 10 anos. Talvez essa tenha sido uma decisão do meu inconsciente que buscava algo familiar e confortável durante os meses em que estive doente — talvez simplesmente seja a hora de relê-los. De qualquer forma, reler esses livros agora sendo uma mulher adulta, não mais uma adolescente, é algo muito interessante que me leva a redescobri-los de muitas maneiras.
De terça para quarta, sonhei que estava grávida. No sonho, estava num almoço de família — a família do rapaz, no caso — e dávamos a notícia da gravidez. A mãe do rapaz, após os parabéns todos, me perguntava de canto se poderia fazer algo, se havia alguma recomendação médica, se eu estava bem, ao que eu respondia que sim, embora eu não tenha mais 20 anos, risos, e precisasse ficar tranquila, sem estresses, então meu planejamento era aprender a tricotar uma mantinha pra o bebê e ler todos os livros que tinha em casa.
Foi um sonho estranho — que se estendeu para uma cena, meses depois, em que eu estava gravidíssima, com um barrigão imenso num vestido verde lindo, o que alguém apontava como parecendo a deusa Flora, a deusa que faz florescer tudo na primavera. Achei a comparação bonita — mas acordei estranhando tudo, porque não posso ter filhos. As chances são ridiculamente pequenas, praticamente nulas, todos os médicos disseram, e eu acredito. Bem, segui o dia.
Na quarta, dia 24, peguei para reler um dos meus livros favoritos da adolescência — A bruxa de Portobello. Faz tempo que tenho sentido um siricutico para relê-lo — dele, lembrava apenas que era sobre Athena, uma mulher que encontrou na busca por si mesma uma conexão espiritual, e que o formato do livro é em entrevistas (parecido com Daisy Jones & The Six). Senti que era a hora de relê-lo e comecei a leitura.
O livro é bom e falou comigo de outras formas, mais de 10 anos depois da primeira vez que o li. Na história, em determinado momento de sua busca, Athena encontra sua mãe biológica na Romênia, e lá a mãe a apresenta a Santa Sarah.
Eu não sou uma pessoa religiosa — na verdade, eu fujo de religiões —, então não conheço muita coisa no quesito santos etc., e não lembro de ter dado atenção a isso durante a primeira leitura, quando tinha uns 17 anos. Parei a leitura e fui pesquisar sobre Santa Sarah. Qual não foi a minha surpresa quando me deparei com o fato de que o dia de Santa Sarah seria o seguinte, 25 de maio — achei aquilo uma coincidência e tanto.
Mais coincidência ainda foi encontrar isto:
Para uma mulher estéril que sonhara estar grávida no dia anterior e foi atraída para esse livro no dia seguinte, isso foi interessante.
De acordo com a história, Santa Sarah, também conhecida como Sara Kali, foi uma discípula de Jesus. Embora não tenha sido canonizada, é considerada santa e padroeira dos povos ciganos. Não há muitos registros sobre quem ela realmente foi — alguns relatos contam que ela auxiliou no nascimento de Jesus, outros, que foi serva de Maria Madalena. De qualquer forma, todos os relatos convergem para um mesmo ponto: Saintes-Maries-de-la-Mer; uns dizem que Sarah foi deportada de Israel durante perseguição aos cristãos e acabou parando em Saintes-Maries-de-la-Mer, na França; outros, que ela era já morava lá quando chegou o grupo de refugiados, que ajudou. Seja como for, é lá onde estão suas relíquias, local de culto na cripta de Saint Michel. As comemorações acontecem entre 24 a 25 de maio, todo ano, quando sua imagem é levada em procissão.
“É fácil identificar Sarah como mais uma das muitas virgens negras que podem ser encontradas no mundo. Sara-la-Kali, diz a tradição, vinha de uma nobre linhagem, e conhecia os segredos do mundo. Seria, no meu entender, mais uma das muitas manifestações do que chamam a Grande Mãe, a Deusa da Criação.”
— A bruxa de Portobello
Não encontrei muito mais coisas sobre Santa Sarah — mas tive vontade de ler sobre ela. Vou pesquisar um pouco mais. Não sei o que pensar de todas essas coincidências, mas achei a história dela tão bonita, e veio a mim num contexto tão tocante, que me senti abençoada. Talvez tenha sido o meu subconsciente, ou talvez algo maior do que isso, algo invisível, uma voz que nos diz para prestarmos atenção no que está ao nosso redor. A vida pode ser mágica.
No dia seguinte, dia de Santa Sarah, fiz uma prece — não para engravidar, mas para estar atenta aos sinais que estão ao nosso redor e que, muitas vezes, ignoramos na correria do dia a dia. Agradeci pela bênção e me senti tranquila. Às vezes, tudo o que precisamos fazer é estarmos abertos aos sinais.
Textos da semana
O castelo de Otranto e a origem do Gótico (Isadora Bispo)
Juventude transviada: uma rebeldia bem à frente do seu tempo (Lilia Fitipaldi)
Bruxaria e misoginia em O bebê de Rosemary (Maria Clara Martho)
“Prefiro um dos nossos”: Super Sam, Chapolin Colorado e a intervenção estadunidense em terras mexicanas (Victória Haydée)
A literatura clássica nas músicas de Lana Del Rey (Giulia Benincasa)
Obra de arte da semana
Eu amo sereias. Não sei muito bem quando começou essa minha leve obsessão, não acho que tenha sido na infância. É claro que assisti A Pequena Sereia inúmeras vezes quando criança, mas esta nunca foi uma das minhas animações preferidas da Disney; eu gostava muitíssimo de A Bela Adormecida, então enquanto crescia minha princesa favorita era Aurora. Mas onde a minha paixão por sereias surgiu? Eu não sei dizer. Talvez tenha sido quando eu tomei consciência de toda a mitologia por trás dessas criaturas. Elas são assustadoras, e eu acho que essa é a parte que eu mais gosto.
Neste fim-de-semana eu finalmente consegui assistir ao filme The Lure (A atração, em português), um filme polonês de 2015. Uma mistura de história de terror com musical, que é baseada no conto original de Hans Christian Andersen. Tendo isso em mente, é de se esperar que a história não tenha um final feliz, sereias apaixonadas por rapazes humanos que não têm seu amor correspondido. É maravilhoso que esse filme seja um musical, pois as sereias cantam e encantam desde o inicio dos tempos, e é mais incrível ainda que seja uma história de terror, com sereias que se alimentam de carne humana. Belos monstros que não são humanos, mas podem parecer com um, e com toda certeza podem seduzir um.
Outra obra que retrata sereias e que está sempre em meus pensamentos é a pintura de John William Waterhouse, Ulisses e as Sirenas, datada de 1891.
Atualmente ela se encontra na Galeria Nacional de Victoria, em Melbourne, na Austrália. Assim como indica o título, a pintura é sobre o episódio narrado na Odisseia, de Homero. Nele, Ulisses, para não ser capturado/ devorado/ seduzido pelas sereias, segue o conselho de Circe e manda que seus homens cubram seus ouvidos com cera para que não escutem o cantar das sereias, enquanto o próprio Ulisses se amarra no mastro do navio, pois ele desejava ouvir o canto delas.
Mas uma coisa bem evidente na obra de Waterhouse é que suas sereias não são metade peixe, seres marinhos com caldas — elas são seres híbridos, mas metade pássaro.
Sereias (das águas) e ninfas da água são muito mais conhecidas que as versões em que esses seres são representados como metade mulher e metade pássaro. As Sirenas têm uma mitologia tão rica quanto suas equivalentes das águas. Assim como elas, as Sirenas seduziam os navegantes com suas belas vozes e os levavam à morte. Sua mitologia é tão extensa que não caberia aqui neste pequeno papo semanal sobre arte.
Mas sejam elas criaturas marinhas ou dos ares, seu canto é capaz de levar à perdição da forma mais irresistível possível, através da música. E mesmo que o perigo seja iminente, sempre vai existir alguém disposto a ouvir esse canto, nem que seja amarrado ao mastro de um barco para não ceder à loucura, ou amar tanto alguém a ponto de desistir de sua voz e virar espuma. Sereias são fascinantes e assustadoras, acho que escutei o canto de uma algum dia, talvez seja por isso que penso nelas sempre. Talvez tenha sido uma mulher-pássaro e eu notei o perigo porque estava longe dos mares.
Por hoje, é isto.
Na semana que vem, dia 03/06, teremos o nosso encontro do Clube do Livro QC para conversarmos sobre A redoma de vidro, da Sylvia Plath, às 16h. Estão todos convidados.
Se cuidem e bebam água. :)
Abraços,